
Nossos assentamentos são fundamentos existenciais, teóricos, éticos, metodológicos, criativos, afetivos e da prática nos serviços de saúde.
É a partir dessas energias, de sua inspiração e exalação, que vamos traçar conexões com o mundo, com nosso interior, com as nossas leituras, com o nosso trabalho, uns com os outros e, sobretudo, com o trabalhador da saúde.
Um assentamento na cosmologia africana – de onde inspiramos a palavra – é a morada do Orixá na terra, construída com elementos sagrados da natureza e onde os Ìyàwós (iniciados) deixam as suas ofertas.
Para nós, nossos assentamentos são as raízes do Projeto Respiro, fonte a partir de onde nos unimos como grupo e em torno do qual construímos as nossas partilhas com os trabalhadores da saúde: práticas de apoio-investigação movidas por afetos.
São assentamentos nossas palavras de força, nossas intenções, nossa metodologia de apoio-investigação e as reflexões de autoras e autores que nos auxiliam a produzir sentidos que potencializam o bem viver. É a partir daí que seguimos na construção de um vocabulário próprio, rico de palavras que ecoam significados e formas de estar no mundo diferentes daquelas que temos experimentado.
No nosso glossário, a palavra está apoiada nas reflexões de Luiz Rufino e Luiz Antônio Simas (2018) que, atentos à produção de sentidos potencializadores de existências em sua diversidade, afirmam que “assentamento é o chão de onde reverbera a vida”. Como morada de uma energia vital, um assentamento é construtor de mundos e “fundamento de uma prática existencial”.
Referência: Simas, Luiz Antônio; Rufino, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2018.
Todas as nossas referências aqui.


O título que individualiza nosso projeto, “(co)movendo a vida entre (ultra) penosidades e (re)existências” traz em si as nossas palavras de força: respirar, (co) mover e (re) existir. Como uma imagem, elas são expressadas na forma de uma tríade de espirais, sempre em movimento e indo infinitamente além.
A tríade respirar – (co) mover – (re) existir finca os nossos pés no chão ao tempo em que expande a nossa consciência. Meditando sobre ela, nos preparamos para vivenciar o presente e alargar os horizontes de possíveis que, interdependentes, são tecidos ciclicamente no nosso espaço-tempo. Espaço-tempo em que nos produzimos como projeto e como encontro de saberes e sentires diversos, múltiplos e muitos. Nunca apenas um.

Respirar é um direito universal de tudo o que é vivo. O direito à Respiração é precedente, antecedente e o garantidor de todos os outros direitos: se não respiramos, não vivemos.
Respirar é intuir o todo infinito, é a expressão da capacidade de expansão e recolhimento do universo dentro de cada ser humano. É uma forma de nutrição, de expansão da energia vital e, aliada à concentração, torna-se uma ferramenta terapêutica potente para alívio do estresse e da ansiedade, o grande mal do nosso tempo. A boa prática de respiração é promotora do bem-estar mente-corpo.
O projeto de humanidade ocidental parece ter gerado a única espécie que se vê como separada da biosfera e mesmo do cosmos, de onde recebemos o prana ou energia vital. O convite para respirar é o convite feito para pausar e se resguardar, sentir, intuir, nutrir, proteger, inspirar, expirar e alimentar formas integradas de vida no mundo que está por vir e cuja construção já começou.

(Co) mover é caminhar e sentir juntos. Mas o (co) movimento, assim como a (co)moção, nem sempre é voluntária. Precisamos de uma interrupção consciente para (co) sentir, o que pressupõe dar visibilidade aos muitos modos de viver e de sentir dos indivíduos, grupos, povos e seres, em um processo de sacralização de todas as formas de existência.
A construção de um outro em comum depende da partilha de algo intrínseco e inestimável a todos os seres. (Co) mover é acionar uma nova relação de cuidado, integradora, amorosa, restauradora de sentidos conectivos, do encontro de olhares, do reconhecimento de cada ser vivo como um só organismo pulsante e vivaz. Trata-se de acolher e apoiar a produção conjunta da vida com respeito às suas diferenças e conexões plurais, aqui, com o trabalhador da saúde e com o mundo do trabalho.

(Re) existir é ato que passa pelo desejo de se estar no mundo de outra forma. Envolve acolher, apoiar e criar espaços para a produção de novos sentidos, novas práticas e ressignificar existências e modos de vida.
Apesar do sistema cruel em que vivemos e que tenta sequestrar tudo o que é plural, encantado e vivaz, ainda assim brota vida das frestas. No cotidiano, pessoas ainda se apoiam em modos ancestrais e inventados para lidar e recriar a vida. Novos seres surgem do encontro da subalternidade, do apagamento, do esquecimento com a energia vital que insiste em transbordar.
A imagem da (re) existência é a da flor que nasce no asfalto, nunca sem sofrimento. Re (existir) é afirmar novas fontes de epistemes, de práticas e saberes que ampliam nossa arte de cuidar, operando sínteses vivas do tempo, integrando o milenar com o contemporâneo, produzindo inéditos campos de experiências e (co) existências.